A fuga de Salles e as três incógnitas
Ninguém em sã consciência acha que o pior ministro de Meio Ambiente da história da República Federativa brasileira “caiu” porque exagerou na dose antiambiental.
Ricardo Salles foi sim o ministro do desmatamento, das queimadas, das madeireiras, do garimpo e do passa boiada e, portanto, foi ministro do Jair Bolsonaro, que é o presidente de tudo isso e muito mais.
Parece óbvio que ele entregou o cargo por outra razão. Nos seus planos certamente estão as eleições de 2022. Por nove mil votos ele não se elegeu federal pelo Novo paulista em 2018. Agora o que ele fez foi fugir de uma condenação iminente no STF, que já o deixaria inelegível, posto que não haveria a quem recorrer (foro privilegiado). São dois os processos:
(i) Sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia, notícia-crime enviada originalmente pela Polícia Federal do Amazonas, em que Salles, juntamente com outros suspeitos, teria agido para liberar madeira ilegal apreendida pela Operação Handroanthus, da PF e (ii) processo sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, em que supostamente Salles e o afastado presidente do Ibama (Eduardo Bim) teriam alterado normas supostamente a fim de beneficiar madeireiras e facilitar a exportação de centenas de milhares de metros cúbicos de madeira nobre.
Se Bolsonaro tiver apenas 15% dos votos no estado de São Paulo em 2022, Ricardo Salles será um dos fiéis escudeiros a disputar parte desses votos.
Dito isso, o que vem pela frente?
Em termos de rumo nada muda. A (des)política vem sendo ditada pelo chefe Maior. O Maior negacionista e antiambientalista da história brasileira, Jair Bolsonaro.
Na prática, o que pode (talvez) mudar é que a ministra Teresa Cristina, da Agricultura, que desde que assumiu a pasta e reverteu a extinção do Ministério do Meio Ambiente tenta equilibrar a persistência anticlimática do agronegócio com a timidez quase omissa do agronegócio “responsável”, deve retomar um maior protagonismo na agenda socioambiental no âmbito do executivo.
O Presidente do Conselho Nacional da Amazônia, o desautorizado e desacreditado, vice-presidente Hamilton Mourão, continuará prometendo e não entregando a queda do desmatamento na Amazônia, como fez até agora.
Já a fase dois do Plano “Passa boiada” de Bolsonaro será acelerada pelo presidente da Câmara, deputado Artur Lira, que já entregou o PL do (des)licenciamento ambiental (PL 3.729 de 2004), aprovando-o na Câmara Federal em menos de duas sessões plenárias. Vem na esteira também o Projeto de Lei (490/07) do Vale Tudo em Terras Indígenas, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça semana passada. O próximo PL da fila deve ser o PL 2633/20, da ressurreição da MP da Grilagem (MP 910) com os previstos destaques ou até mesmo um substitutivo de plenário. Previsível, porém difícil de reverter, caso Teresa Cristina e o dito “agro responsável” não agir efetivamente para conter o desastre.
Restam três incógnitas nesse intrincado tabuleiro:
1 – A ministra Teresa Cristina do MAPA vai atuar para diminuir o previsto estrago defendido por seu insubordinado Secretário de Regularização Fundiária, Nabhan Garcia, no PL 2633 de regularização fundiária? Ou seja, a ministra vai atender à ala mais esclarecida do agronegócio, aos empresários nacionais e aos investidores internacionais ou vai quedar-se inerte (e ceder) diante de mais uma queimação ao agronegócio brasileiro nos mercados globais?
2 – O senador Rodrigo Pacheco, pretenso candidato ao governo de MG (ou até a presidente ou vice) vai operar para mitigar no Senado os impactos do passa boiada em curso na Câmara? O PL 2159 de 2021, de Licenciamento Ambiental é o primeiro da fila? O PL 510 do senador Irajá Abreu que ressuscita a MP da grilagem é outro. A recente e polêmica votação da MP da Eletrobras mostrou do que ele é (in)capaz em termos de subserviência ao governo. Mas o Senado vendeu caro essa vitória, por apenas três votos. O que será do senado nessa peleja do passa boiada?
3 – A Senadora Kátia Abreu fará um trabalho minimamente equilibrado na relatoria do PL de Licenciamento Ambiental (PL 2159) para se redimir do seu histórico troféu Motosserra de Ouro recebido das ONGs em 2010, quando ela era ministra da agricultura? Dia desses ela disse que queria entregá-lo ao hoje ex-ministro Salles. Se é que o troféu pode ser entregue a outro, ela no mínimo terá que provar que deixou a ala parlamentar antiambiental.
Confesso em tanto desesperançoso que não acredito em um sim a qualquer das três incógnitas. Mas gostaria de me surpreender. A esperança é a última que morre.
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