Muito dito e pouco feito nos dois anos do Código Florestal
Em maio completaram-se dois anos da aprovação do novo Código Florestal, a lei que estabelece padrões mínimos de conservação ambiental para 72% do território brasileiro.
Tendo como objetivo central a anistia a desmatamentos realizados até julho de 2008, a nova lei resultou em dispensar a recuperação ambiental de pelo menos 29 milhões de hectares que deveriam ter sido protegidos pela lei anterior, conforme apontou um estudo publicado pela revista “Science”. Maior que o Estado de São Paulo, tal área é ocupada majoritariamente (80%) por pastagens de baixa produtividade.
A nova lei, contudo, chegou com a promessa de que promoveria o “maior programa de restauração florestal do mundo”, já que ainda há pelo menos 38 milhões de hectares de áreas ambientalmente importantes a serem restauradas em todo o país. Para tanto, previu a criação de Programas de Regularização Ambiental (PRAs) e a instituição de um Cadastro Ambiental Rural (CAR), que deveria ser um raio-X da situação ambiental dos mais de 5 milhões de imóveis rurais do país, e a base para se iniciar a tão anunciada restauração.
Finalmente, no início do mês de maio, foram publicados o decreto nº 8.235 e a instrução normativa nº. 2/2014, que definiram o funcionamento do PRA e do CAR. O que deveria ser motivo de comemoração, no entanto, acabou tendo um gosto amargo.
Salta aos olhos que nenhuma outra política de apoio à regularização ambiental, para além do CAR, que é mero instrumento, foi estruturada. O pacote não traz nenhuma medida nova de incentivo ou apoio à restauração. Se não houver, por parte do governo federal e dos Estados, um plano estruturado, com metas e orçamento disponível para oferecer assistência técnica e apoio financeiro ao produtor, além de incentivos econômicos para recuperar florestas, dificilmente avançaremos. Imaginar que o mero cadastramento já será suficiente é, no mínimo, ingênuo.
Além disso, a própria qualidade das informações constantes do CAR, a valer a regra federal, é questionável. Venceu a tese de que o CAR é “declaratório”. Significa que o produtor fará seu cadastro sem o apoio de um técnico especializado e sem fazer um levantamento de campo. Como a lei é complexa de se entender e aplicar, e nem todos os proprietários rurais estão realmente dispostos a repor parte das florestas derrubadas, já se pode antever uma variedade de problemas nas informações cadastradas que somente serão percebidas anos depois.
Isso vai aumentar muito o ônus dos órgãos ambientais dos Estados, que terão que analisar e validar (ou não) cada um dos milhões de cadastros. Segundo pesquisa do Observatório do Código Florestal, nenhum dos Estados fez ou pretende fazer contratações de técnicos dedicados exclusivamente a essa análise. Pelo andar da carruagem, demorará décadas até que parte expressiva dos cadastros tenha informações de qualidade. E o CAR dificilmente se tornará um instrumento de apoio à gestão ambiental.
Preocupa ainda a indisposição da maioria dos governos estaduais em relação ao assunto. Entre as promessas que acompanharam a nova lei estava a de que ela ofereceria um “piso nacional” quanto à proteção/recomposição de florestas, o qual deveria ser complementado por regras estaduais. São Paulo, por exemplo, que tem 13 de suas 20 bacias hidrográficas com menos de 10% de cobertura florestal e que sofre com um dos mais agudos problemas de falta de água de sua história, deveria propor formas inovadoras de induzir o setor agropecuário a recuperar parte das florestas em margens de rios e áreas de recarga de aquíferos, para atingir, pelo menos, 25% de vegetação nativa em suas bacias, como apontam diversos estudos científicos.
No entanto, tramita na Assembleia Legislativa paulista o projeto de lei nº. 219/14, que não só adota o mesmo baixo nível da regra federal como diminui ainda mais a proteção de suas poucas áreas de cerrados. Não há nenhuma inovação para promover mais proteção e nenhum olhar sobre as peculiaridades do território paulista. O projeto desconsidera os comitês de bacias hidrográficas e os estudos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) sobre áreas prioritárias para a restauração florestal. Na região do Cantareira, região estratégica de abastecimento público para milhões de paulistas, sobraram apenas 21% de florestas. As beiras de rios têm 37% de pastos e o projeto de lei ignora essa situação. O Estado formador de opinião deveria dar um sinal melhor para o país.
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo. André Lima, advogado, é consultor em políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam); Raul Silva Telles do Valle, advogado, é coordenador-adjunto de políticas públicas do Instituto Socioambiental (ISA); Luís Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo e doutor em agronomia pela USP, é gerente de certificação do Instituto de Manejo e Certificação Florestal Agrícola (Imaflora) e membro da Rede Folha de Empreendedores Sociais. ISA, Ipam e Imaflora são membros do Observatório do Código Floresta.
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