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Plano antidesmate esbarra em sinal oposto do governo

Materia Valor
10 de junho de 2020

Proposta do vice-presidente tem potencial, mas é difícil acreditar que vingue em uma gestão sem afinidade com a questão ambiental

Por Daniela Chiaretti – Jornal VALOR ECONÔMICO — De São Paulo 10/06/2020 05h00

O plano de combate ao desmatamento ilegal conduzido pelo vice-presidente Hamilton Mourão e anunciado em reportagem do Valor é um bom início. Não estipula metas e datas, não detalha recursos, mas há focos corretos ali – tolerância zero ao desmatamento ilegal, regularização fundiária, bioeconomia, ordenamento territorial e pagamento por serviços ambiambientais. O nó é estar ancorado em um governo que vai na direção contrária. O maior problema do plano é seu grau de confiança.

Qual o nível de crédito socioambiental que um governo presidido por Jair Bolsonaro e que tem Ricardo Salles como ministro de Meio Ambiente desperta em empreendedores preocupados em salvar a floresta e seus habitantes? Esta ambiguidade pode matar um plano necessário no momento em que o desmatamento cresce. Qual o nível de crédito socioambiental que um governo presidido por Jair Bolsonaro e que tem Ricardo Salles como ministro de Meio Ambiente desperta em empreendedores preocupados em salvar a floresta e seus habitantes? Esta ambiguidade pode matar um plano necessário no momento em que o desmatamento cresce.

Há uma longa fila de sandices socioambientais do governo Bolsonaro e da gestão Salles – extinguir o MMA, fundi-lo com a Agricultura, deixá-lo existir desde que agonizante, querer tirar o país do Acordo de Paris, desmantelar o Fundo Amazônia, sugerir “passar a boiada” aproveitando o momento da pandemia e os milhares de brasileiros mortos, e por aí vai.

É por este histórico desolador que o Plano de Combate ao Desmatamento 2020-2023 conduzido pelo general Mourão – e, segundo consta na capa de suas 16 páginas, produzido pelo MMA – surpreende. Pode ser um plano falho, mas tem potencial. Ruim, não é.

Em alguns momentos, inventa o que já existe. Em outros, diz o que todos os interessados no tema querem resolver: “Para atrair investimentos sustentáveis, é preciso fazer a regularização fundiária”. A questão é como fazer isso sem premiar desmatadores e grileiros, como defende uma ala do Ministério da Agricultura.

No financiamento, cita caminhos modernos para avançar na agenda – dos “green bonds” aos investimentos de impacto. Fala no Acordo de Paris, nos mercados de carbono voluntários e até na compensação de emissões – este sim, tema controverso que, para alguns pesquisadores e diplomatas, ameaça a soberania da Amazônia.

“O plano do vice-presidente para a Amazônia parece ser meritório e precisa ser considerado”, diz o advogado Andre Lima, coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade em Brasília. “Mas até onde vimos por enquanto é menos do mesmo”. Ele segue: “Para reverter tendência de aumento no desmatamento, não basta fiscalização e poucos incentivos econômicos. É preciso, sobretudo, muita vontade política de todo o governo. E isso, claramente, inexiste”, continua Lima, que dirigiu o plano de controle do desmatamento do MMA na gestão de Marina Silva.

Foi a época de criação do PPCDam, sigla de um dos planos mais estruturados de controle do desmatamento da história recente. Nem tudo deu certo, mas foi um aprendizado importante. “Fizemos uma revolução na estratégia”, conta Lima. “Alinhamos três políticas – a fundiária, a ambiental e a de crédito”. Publicaram a lista dos 36 municípios campeões de desmatamento, responsáveis por 50% do desastre. Uma resolução do Banco Central limitava o crédito para o desmatador reincidente. O Ibama tinha obrigação de embargar o uso da área desmatada ilegalmente, tivesse ela gado, soja ou o que fosse. Fecharam madeireiras. “Quem estava na ilegalidade tinha que ver que o negócio não seria fácil”, conta. O desmatamento caiu.

Depois as forças políticas amornaram e o desmate voltou. Conter o desastre não é fácil. “Comparado ao que temos no cenário atual, o que o general Mourão apresenta é muito importante. Mas o resto do governo tende a anular o que ele está propondo”, teme Lima.

Este trecho é parte de conteúdo que pode ser acessado no link:

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/06/10/plano-antidesmate-esbarra-em-sinal-oposto-do-governo.ghtml?